News — 13 May, 2024
Cartografia Comunitária: Receptor de baixo custo no mapeamento do Médio Solimões
Explore como a tecnologia GNSS de baixo custo está revolucionando o mapeamento no Médio Solimões, com apoio do HOT e do LAC Hub. Este projeto inovador, conduzido pela Universidade Federal de São João del-Rei, promove uma cartografia participativa, melhorando a gestão de recursos e a resiliência das comunidades ribeirinhas na Amazônia Brasileira.
Em um mundo onde a precisão geográfica se torna cada vez mais vital, a iniciativa de Mapeamento Colaborativo do Médio Solimões destaca-se por sua abordagem inovadora e inclusiva. Desenvolvido em colaboração entre a Universidade Federal de São João del-Rei, o Centro de Estudos Superiores de Tefé na Universidade do Estado do Amazonas e o LAC Hub da HOT, este projeto utiliza a tecnologia GNSS de baixo custo para superar os desafios cartográficos da região.
Neste blog final, nossas pesquisadoras Silvia Elena Ventorini, Ana Luísa Teixeira e Rafael Quetz Oliveira compartilham insights valiosos sobre as metodologias empregadas e os resultados obtidos, iluminando o caminho para futuras iniciativas de mapeamento colaborativo na Amazônia.
O GNSS (Global Navigation Satellite System, por suas siglas em inglês) é um equipamento importante para a coleta de coordenadas precisas de um determinado local ou objeto. Atualmente ele é considerado uma das tecnologias mais avançadas e segundo a European Union Agency for the Space Programme possui tendências de crescimento exponencial para esta década. Entre as diversas aplicações de receptores de GNSS está seu uso fundamental no processamento de fotografias aéreas obtidas a partir dos popularmente conhecidos Drones.
Com todo o avanço na área de posicionamento por GNSS, os receptores GNSS comerciais ainda têm um custo muito elevado, sem considerar a necessidade de conhecimentos teóricos e técnicos na sua utilização, limitando seu uso por pesquisadores e profissionais de órgãos públicos. Para minimizar essa inacessibilidade, pesquisadores do mundo todo têm se dedicado a desenvolver e pesquisar receptores GNSS de baixo custo.
No Brasil, o não acesso a GNSS por profissionais de órgãos públicos e pesquisadores colabora para a cartografia desigual e desatualizada do Brasil. Em regiões complexas como o caso da Amazônia brasileira e que tem sido cada vez mais afetada pelos efeitos das mudanças climáticas, contribuir para a transformação desse cenário se torna essencial. Foi com esse objetivo que um grupo de pesquisadores montaram e analisaram a viabilidade de um Receptor de baixo custo fornecido por meio do projeto “Mapeamento Colaborativo e Integrativo do Médio Solimões” apoiado pelo Humanitarian OpenStreetMap Team (HOT) Latino-americano e desenvolvido em parceria com o Centro de Estudos Superiores de Tefé - Universidade do Estado do Amazonas (CEST-UEA).
O grupo formado pelos professores Silvia Elena Ventorini (coordenadora) e Leonardo Cristian Rocha, pela mestranda em Geografia Ana Luísa Teixeira e o graduando em Geografia Rafael Quetz, todos da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), recebeu orientações iniciais sobre as características do equipamento por parte de experts do HOT e realizaram incontáveis testes nas cidades de São João del-Rei, Minas Gerais- Brasil, Tefé e Alvarães, Amazonas-Brasil para serem capazes de adaptar o equipamento à desafiadora realidade local, sendo capazes de desenvolver novas técnicas para o uso do GNSS.
O equipamento utilizado é composto por uma base e um rover, que conversam entre si. Para iniciar a coleta de dados, é necessário que a base fique estática durante 4 horas, estabilizada em um tripé e o mais alto possível por um bastão. Após esse tempo, as observações coletadas são transformadas em dados rinex (um formato universal de dados de observação) para que seja submetida em plataformas de órgãos oficiais - no caso do Brasil o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Após essa correção pela internet, o ponto corrigido (coordenadas x, y e z) é inserido e fixado na base para que se inicie a coleta dos outros pontos com o rover. O grande problema deste método refere-se à ausência de internet no local para envio das coordenadas para o órgão responsável. No entanto, este problema pode ser corrigido quando os dados sem correção são trabalhados posteriormente em um Sistema de Informação Geográfica (SIG) e aplicando técnicas e procedimentos científicos para sua correção.
Apesar de parecer prático e simples, os procedimentos não os são, e a equipe de pesquisadores adotaram procedimentos de teste e re-testes seguidos de análises. Tais fatos foram necessários devido ao acesso restrito de internet nos locais na Amazônia onde foram realizados os trabalhos de campo, principalmente na comunidade ribeirinha de São Luís do Macari - zona rural de Tefé, bem como outros aspectos logísticos como o calor e seca extrema de novembro de 2023. O El Niño provocou uma estiagem severa, afetando o transporte fluvial entre Tefé e cidades cercanas. Tefé é central no Médio Solimões, abrigando serviços cruciais como bancos, supermercados, etc. Nessas circunstâncias, o mapeamento das populações se torna ainda mais importante. Assim, os dados foram coletados com a base em dois locais distintos, devido a migração da comunidade para outro local por causa das constantes erosões causadas pelo fenômeno denominado terras caídas que causam prejuízos econômicos e sociais à população. Os resultados obtidos através dos testes realizados pela equipe mostraram a eficácia do equipamento cujos resultados são similares aos receptores comerciais (tanto os dados coletados com e sem internet), porém com um custo muito mais acessível. Os dados coletados na comunidade passaram a ter precisão milimétrica, indicando a viabilidade de seu uso para o mapeamento com drone e de forma a minimizar custos financeiros que muitas vezes inviabilizam alguns tipos de trabalho de mapeamento.
Além da metodologia utilizada para a resolução do problema do acesso restrito a internet, a equipe da UFSJ buscou formas para facilitar sua montagem e utilização em campo. Para isso adotou tripés com níveis de bolha e bastões com 4,6 metros de altura, bem como cabos reforçados e maiores para a conexão entre os receptores e os celulares, caixas de acrílico impressas em 3D para proteção dos arduinos, maleta para carregamento de todos os itens do receptor e suportes para celulares. Os aplicativos utilizados durante a coleta dos pontos foram o GNSS Master e o SW Maps e para o processamento dos dados após o campo foram o EMLID Studio, PPP-IBGE e QGIS.
Ressalta-se que este equipamento, assim como qualquer GNSS necessita de conhecimentos específicos do funcionamento básico das redes de geodésia no Brasil e conceitos teóricos sobre o planejamento, coleta e pós-processamento dos dados. Entretanto, com formação continuada, principalmente para profissionais de órgãos públicos como a Defesa Civil e prefeituras, é possível sua utilização para a construção e atualização de base de dados cartográficos para a resolução de problemas locais e mitigação de problemas.
Apesar dos resultados satisfatórios encontrados até o momento, a equipe continua a testando o equipamento em São João del-Rei. No que concerne à parte prática, a equipe vem realizando testes em áreas de estudo dos integrantes do Laboratório de Cartografia Escolar e Digital da UFSJ (LabCar). Atualmente também estão sendo realizados procedimentos para a testagem da conexão via bluetooth entre celular e receptores e o aperfeiçoamento do design das caixas de acrílico com a impressora 3D. Tais testes estão sendo desenvolvidos pelo Prof. Dr. Eduardo Bento, coordenador do Centro de Robótica Assitiva da UFSJ.
O uso do GNSS oferece um vasto potencial para aprimorar o mapeamento colaborativo de processos erosivos em comunidades ribeirinhas, para entender e mitigar os desafios enfrentados por essas comunidades. Ao empregar essa tecnologia, pesquisadores e profissionais podem mapear com maior detalhe as áreas vulneráveis a processos erosivos, permitindo uma intervenção mais direcionada e eficiente. Além disso, ao envolver as próprias comunidades no processo de coleta de dados, o mapeamento colaborativo promove o fortalecimento local, a participação cidadã na gestão e proteção de seus recursos naturais e elaboração de planos de prevenção de desastres com uma abordagem centrada no ser humano. Ao tornar esse tipo de tecnologia acessível a pesquisadores e profissionais locais, é possível fortalecer a capacidade das comunidades locais. Os resultados alcançados até o momento evidenciam a eficácia do equipamento, apesar dos desafios ainda existentes a superar e melhorias a serem implementadas.
Ao concluirmos este projeto pioneiro, fica evidente o poder transformador do engajamento comunitário e da colaboração interinstitucional na resolução de desafios complexos. O uso da plataforma OSM e das tecnologias GNSS de baixo custo não apenas preenche lacunas cartográficas vitais, mas também fortaleceu as comunidades locais, promovendo uma gestão mais eficaz dos recursos naturais e fomentando o desenvolvimento sustentável.
A experiência do Médio Solimões serve como um modelo inspirador para outras regiões, demonstrando que a tecnologia e a colaboração comunitária podem andar de mãos dadas na preservação da diversidade cultural e ambiental e na construção de um futuro mais resiliente.